segunda-feira, 16 de março de 2009

Um pouco da história...

História Vila Histórica de Mambucaba

O Início

Corria o ano de 1554. Os tupiniquins, amigos dos portugueses, invadiram a aldeia de Mambucaba e atearam fogo às cabanas dos tupinambás, que ali moravam. Os seus moradores conseguiram escapar, exceto um garoto pequeno. O chefe de uma das cabanas da aldeia de Ubatiba, Nhaepepo-oaçu tinha muitos parentes morando lá e por isso resolveu se mudar para Mambucaba, que distanciava de sua aldeia 4 léguas, a fim de ajudá-los a reconstruir suas cabanas. Pretendia ficar mais de 14 dias e ao regressar, trazer de lá argila e farinha de raízes para a festa na qual Hans Staden seria a refeição principal. Antes de partir, ordenou a Ipiru-guaçu, dono do prisioneiro, que o vigiasse direito. Staden, até então, tudo tinha feito para convencer seus captores de que ele não era um peró (português), mas sim um mair (francês), portanto um aliado deles. Conseguira até deixá-los em dúvida, mas não convencera a todos, muito menos a Cunhambebe o grande chefe tupinambá que morava em uma aldeia próxima, em Ariró.
Conta-nos o alemão cativo, que nos dias de espera, retornou um irmão do chefe Nhaepepo-oaçu que relatou-lhes uma nova desgraça; seu irmão, sua mãe e todos os que lá estavam tinham ficado doentes. Como antes da viagem, ocorrera um fato em que Hans Staden afirmara que a lua estava zangada olhando para a morada de Nhaepepo-oaçu, temeram que o deus do prisioneiro estivesse realmente aborrecido. Insistiram então com o alemão, que conversasse com seu Deus para que todos recuperassem a saúde. Concordou este, desde que este chefe retornasse de Mambucaba para tratarem disso pessoalmente, o que foi feito. Com grande habilidade, explorou Hans Staden este episódio. Alguns da família de Nhaepepo-oaçu começaram a morrer, crianças, a sua própria mãe, um irmão, e também outro irmão, aquele que lhe tinha primeiro trazido a notícia da doença. Quando o chefe viu uma parte de sua família morrer, foi tomado por um grande temor de que ele e sua mulher também morressem. Entrou em desespero, insistindo com o alemão que pedisse por sua vida, o que este concordou, desde que o chefe prometesse não o deixar matar, quando recuperasse a saúde. Todos foram então proibidos de escarnecer dele e de ameaçá-lo. Por fim, o nativo se recuperou e Hans Staden escapou da morte graças ao ocorrido em Mambucaba, que assim deixa o anonimato para entrar na história.
Os Naturais
Tupiniquins, goianazes e portugueses, que os tupinambás faziam reféns, viravam comida. Também os tupiniquins devoravam todos os tupinambás, tanta era a inimizade entre eles. Mas, quem eram os povos tupiniquins, tupinambás e goianazes que freqüentavam Mambucaba? Vamos aqui falar um pouco deles para entendermos melhor a nossa história. Tupiniquim era o nome de uma das tribos do Brasil, que dominava o litoral do sul da Bahia e do Espírito Santo – eram portanto aqueles belos indígenas que acolheram a esquadra de Cabral em Porto Seguro. Em latitudes abaixo, vinha a região dominada pelos ferozes goitacazes, que não falavam tupi, e, em seguida, a região dominada pelos tupinambás, que ia do Cabo Frio até Ubatuba. Curioso é que os tupinambás viviam também no litoral baiano, acima de Porto Seguro, mas foi aqui, na nossa região, que receberam dos brancos um nome especial: tamoios. Os goianazes viviam em Caraguatatuba, no litoral até São Vicente e nas regiões serranas de Parati, Mambucaba e Angra dos Reis e foram, junto com os missionários jesuítas Nóbrega e Anchieta, os fundadores da cidade de São Paulo. Sobre os goianazes, disse Gabriel Soares de Souza em 1574, que “não vive este gentio em aldeias com casas arrumadas como os tamoios, seus vizinhos, mas em covas pelo campo, debaixo do chão, onde tem fogo de noite e de dia e fazem suas camas na rama e peles de alimárias que matam. Não comem carne humana, não usam entre si lavoura e vivem de caça, peixes e frutas silvestres.”
Não se tem registro, após o incidente relatado por Hans Staden, como ficou a reconstrução da aldeia de Mambucaba e se ali permaneceram os seus habitantes. Pelo sim e pelo não, o fato é que os tupinambás ficaram mais de 10 anos dominando ainda a região. É só lembrar de Cunhambebe, o grande chefe que morava em Ariró, e que por aqui andava e que certa ocasião levara o alemão para um ataque aos tupiniquins de Bertioga. Cunhambebe, cujo nome quer dizer “língua que corre rasteira” ou, mais simplesmente, homem de fala mansa, era dono de impressionante força física e de uma valentia a toda prova. O francês André Thevet, que veio ao Brasil com Villegaignon, escreveu que tinha ele 2 metros de altura e que capturara navios e canhões portugueses que fazia disparar. Dava combate sem trégua a seus inimigos, fossem eles índios ou portugueses, que chamava de "perós". Foi o mais notável chefe da Confederação dos Tamoios, iniciada a partir de 1560. A propósito, foi a partir de uma grande reunião de chefes ou anciães – tamuias em Tupi - que fizeram em Ubatuba que os tupinambás passaram a ser conhecidos por Tamoios. O mentor da confederação foi um jovem chefe tupinambá, Aimberê, que organizou uma fuga em massa de escravos índios das propriedades de Brás Cubas em São Paulo. Livre do cativeiro, Aimberê encontrou-se com Pindobuçu, da aldeia tupinambá do Rio de Janeiro, Cunhambebe, da aldeia de Angra dos Reis, Koakira, da aldeia de Ubatuba e ainda com diversos índios de outras nações. Em 1562, atacaram São Paulo com tanta violência que por pouco não foi a cidade totalmente destruída. Em 1563, receberam os jesuítas, padre Manoel da Nóbrega e José de Anchieta em Ubatuba. Conquistando a confiança de Cunhambebe e Pindobuçu, conseguiram os missionários selar a paz com os portugueses, após terem sofrido sério risco de vida. Esta paz não durou muito tempo. Cunhambebe veio a falecer 1 ou 2 anos depois, vítima de doença, provavelmente devido ao contato com os brancos. Muitos tamoios no Rio de Janeiro não concordaram com a paz e voltaram a se unir aos franceses quando a guerra se iniciou. Foram dali expulsos em 1567, mas tinham ainda um grande reduto em Cabo Frio. Lá viviam fortificados com os franceses e acabaram sendo derrotados em 1574 por tropas mercenárias e principalmente pelas hostes guerreiras de Araribóia. Os tamoios que escaparam, fugiram serra acima, para os vales do Paraíba e Sapucaí (Itajubá).
Prisioneiro dos portugueses, o inglês Anthony Knivet, que passou em Mambucaba, por volta de 1594, já não encontrou os indígenas tão temidos. Descreveu este em suas andanças, o rio Mambucaba como muito piscoso, abundando em suas margens a mandioca e muitas outras raízes boas para restaurar as forças depauperadas. Certa vez, Knivet empreendeu uma viagem, a mando de Martim de Sá, em direção à grande taba dos índios poris, no vale do rio Turvo, próximo à Mantiqueira . Em quarenta dias, percorreu a distância aproximada de 120 quilômetros em linha reta, regressando com 70 escravos destinados a servir ao governador do Rio de Janeiro, Salvador Correa de Sá, pai de Martim de Sá. Dois anos depois, fez parte de uma outra expedição, chefiada pelo mesmo Martim de Sá, subindo a serra por Parati para fazer guerra aos tupinambás, aventura esta da qual por pouco não falecera.
Sesmarias
Para a coroa portuguesa, essa região pertencia à Capitania de São Vicente do donatário Martim Afonso de Sousa, que vivia na Índia e nenhum interesse tinha pelas suas terras no Brasil. Nas doações posteriores, levadas à efeito pelos seus herdeiros, conta-se que em 1610, duas sesmarias de meia légua em quadra, ficando o rio Mambucaba pelo meio, foram distribuídas a Silvestre Francisco e Lucas Geraldes, moradores do Rio de Janeiro, que alegavam a seu favor, o terem lutado em sua terra contra os índios inimigos, com suas armas e recursos próprios, tendo recebido muitas flechadas. Na ocasião da doação era Donatário e Governador da Capitania de São Vicente, Lopo de Sousa, neto de Martim Afonso.
Em 1611, um baiano teria também recebido uma sesmaria em Mambucaba na ponta do Iperuquara, a partir da primeira praia (possivelmente a ponta que separa Mambucaba da Praia Vermelha). Uma ilha de 200 braças em Mambucaba, (cerca de 400 metros) foi entregue em sesmaria a Estácio Ferreira em 1619 (possivelmente a ilha do Algodão).
A colonização
Livres dos Tupinambás, Mambucaba começou a ser lentamente povoada por brancos europeus, que preferiram fazer os seus ranchos no lado esquerdo da barra, onde hoje se encontra a Vila Histórica, frente à uma bela e comprida praia, onde hoje se encontra a Vila Residencial da Eletronuclear. Residiram na praia menor, talvez por serem suas águas um tanto abrigadas, devido à proteção das ilhas do Sandri e do Algodão. De qualquer forma, nunca foi considerado um bom porto. Evitavam assim também dividir o seu espaço com os índios goianazes que, morando na serra, desciam comumente à praia maior para a caça e pesca e para a coleta de mel, mandioca, batata-doce, cará, mangarito, palmito, banana, goiaba, ananaz, araçá, pitanga, uvais, gabiroba e grumichama.
Não se sabe ao certo a data e nem o nome dos primeiros colonizadores das margens do Mambucaba, mas segundo o pesquisador e escritor, Edelweiss do Amaral, deve ter ocorrido por volta de 1598, quando teve ali o início da pesca da baleia, organizada por um jovem vindo do Rio de Janeiro. Não podendo continuar, teria vendido ele os utensílios, em 1630, a um branco de apelido Jordão que reiniciara a indústria com o aproveitamento da carne, do óleo e do âmbar (substância escura, de cheiro almiscarado, proveniente dos intestinos do Cachalote).
Esta indústria trouxe uma maior cooperação entre os habitantes das duas margens do Mambucaba, os goianazes, da margem direita, ajudavam os brancos a arpoá-las, matá-las e arrastá-las para a praia e forneciam grandes talhas e potes de barro cozido para que os brancos ali fervessem o óleo. Esses índios especialistas na arte da cerâmica, na confecção de urnas funerárias e potes para o transporte de farinha de peixe e defumados para os vales do Paraíba e Sapucaí, passaram, por insistência dos brancos, a fabricar pequenas ânforas de 2 bicos que, com mechas de algodão e azeite de baleia, começaram a ser utilizadas em Mambucaba como luminárias. A presença dos goianazes iria ser uma constante em toda esta região, vemo-los no início da colonização de Parati, e como os primitivos donos da trilha que viria a se tornar o caminho do ouro.
Em 1660, ainda de acordo com Edelweiss de Amaral, existia em Mambucaba, um aldeamento indígena, o que mostra que a essa época muitos goianazes resolveram ali se fixar, talvez devido ao comércio já descrito acima. O Capitão-Mor e Ouvidor Feliciano Coelho, teria recrutado esses índios, por determinação da Câmara Angrense, para descobrir, abrir e descortinar os caminhos da Vila de Parati, “para os mais do sertão, com os de São Paulo, e por eles entabular as minas do seu distrito, para que estejam preparados para a passagem do Capitão Domingos Casado, que vai à serviço de Sua Majestade".
Um registro de relevante interesse ecológico vem-nos ensinar como era pródiga a nossa fauna marinha naqueles tempos e como é urgente o trabalho de recuperação desses viveiros. As baleias pareciam ter uma predileção por Mambucaba. Certa vez, conta um relator da comitiva do Conde de Assumar, que em 1717 se dirigia à Mambucaba, que a movimentação das baleias no interior da baía angrense era tão grande, que o capitão Lourenço Carvalho da Cunha, dono de pesqueiro, teve que mandar, à frente da embarcação do Conde, uma outra com escravos, fazendo grande ruído para espantar da rota as baleias, que poderiam emborcar ou destruir a embarcação do Conde, pondo em perigo a sua vida como já havia ocorrido com outras embarcações.
Nossa Senhora do Rosário
Em Mambucaba existia uma antiga capela dedicada à Nossa Senhora do Rosário. Conforme informações de Pedro Taques, citadas no livro de Camil Capaz, o carmelita paulistano Frei Luiz dos Anjos, - que chegou a pregar na capela real à convite da rainha D. Maria Sofia Isabel de Neubourg, segunda mulher do rei D. Pedro II, que reinou em Portugal de 1683 a 1706, - era irmão do mambucabense Antônio Pedroso de Alvarenga. Ao regressar o religioso ao Brasil, onde aspirava ao cargo de provincial da Província Carmelitana do Rio de Janeiro, recolheu-se a Mambucaba e achando-se na fazenda e capela de Nossa Senhora do Rosário, veio a falecer repentinamente, o que gerou suspeitas de envenenamento.
Esta capela é também citada na imponente obra de Monsenhor Pizarro, "Memórias Históricas do Rio de Janeiro" em seu segundo volume, onde transcreve o documento da Câmara da vila de Angra dos Reis de 23 de outubro de 1757, que fora redigido em obediência à determinação de El Rei D. José I, para se formar um novo mapa do continente da América. O documento traz todas as informações solicitadas por Sua Majestade da região e ainda diz que "na melhor paragem, quase no meio deste recôncavo, está fundada a vila, intitulada Vila de Nossa Senhora da Conceição de Angra dos Reis da Ilha Grande e nela dois conventos de religiosos, um de capuchos e outro de carmelitas calçados, matriz e duas capelas, Santa Luzia e Nossa Senhora da Lapa; e no distrito, três, Nossa Senhora do Rosário em Mambucaba, a de Nossa Senhora da Guia na Aldeia dos Índios de Mangaratiba e a de Santa Ana em Itacurussá". Por causa desta referência, muitos tem crido erroneamente que a capela fora erigida em 1757, quando na verdade lhe é anterior.

Um comentário:

  1. Oi, de onde vc tirou a informacao sobre a ilha do algodao em 1619 ? Eu estou em Praga, CZ, tentando encontrar referencias sobre a ilha do algodao, tipo livro ou autor. Pode me ajudar por favor ?

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